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5 Cuidados Jurídicos ao Receber Dinheiro do Exterior

Com o avanço da tecnologia e do trabalho remoto, cada vez mais empresas estrangeiras estão abrindo as portas para os profissionais brasileiros.

Além das preocupações com o novo idioma, é importante que os brasileiros estejam atentos às formas de recebimento do pagamento pela empresa estrangeira, que muito se distingue do que é efetuado quando se é contratado por uma empresa no Brasil.

Receber valores do exterior, seja por freelance, investimento, exportação de serviços ou empréstimo, pode parecer simples, mas na prática envolve várias regras do Banco Central, Receita Federal e normas de prevenção à lavagem de dinheiro.

A falta de atenção a esses pontos pode gerar bloqueios, multas ou até enquadramento indevido da operação. Abaixo, explico os quatro principais cuidados jurídicos e regulatórios que você precisa ter ao receber dinheiro do exterior, tanto como pessoa física quanto empresa.

1. Identificação da Natureza da Operação e Fechamento de Câmbio (BACEN/Regulatório)

A etapa inicial e mais crítica é a correta classificação da operação de câmbio junto à instituição financeira autorizada (banco ou corretora de câmbio).

  • Classificação Corrente: O receptor do valor (Pessoa Física ou Jurídica) deve fornecer à instituição cambial a natureza da operação (o código cambial) que justifica o recebimento do dinheiro. Essa natureza define o tratamento regulatório e fiscal da transação.
    • Exemplos: Pagamento por exportação de serviços (serviços de TI, consultoria), aporte de capital social, empréstimo, doação, investimento direto (IED) ou recebimento de aluguel.
  • Declaração de Capitais Brasileiros no Exterior (CBE): Para valores substanciais, o BACEN exige a declaração anual (ou trimestral) de bens e direitos mantidos fora do país. O receptor PJ ou PF que receber ou manter valores acima do limite estipulado (atualmente R$ 1.000.000,00) deve estar em dia com o CBE. O descumprimento é punível com multas severas.
  • Registro no RDE (Para PJs): Se o valor recebido representar investimento estrangeiro direto (IED) ou empréstimo, a empresa deve obrigatoriamente realizar o registro da operação no Registro Declaratório Eletrônico (RDE) do BACEN. O não registro impede, por exemplo, o futuro envio de lucros e dividendos ao exterior (remessa).
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2. Imposto de Renda: Devo declarar e recolher?

Para os brasileiros que prestam serviços para empresas localizadas fora do Brasil, o primeiro alerta a ser feito é que os rendimentos serão tributados, mesmo que sejam isentos no país onde está sediada a empresa que o contratou.

O imposto de renda será declarado e pago pelo brasileiro conforme a tabela progressiva. No caso do IRPF (Imposto de Renda para Pessoa Física), se o contratado recebe um valor superior a R$ 30.639,90 (trinta mil seiscentos e trinta e nove reais e noventa centavos) no ano (considerando o ano-calendário 2025), será obrigatório o pagamento do Imposto de Renda, caso receba um valor inferior, deverá, apenas, declarar os seus rendimentos à Receita Federal.

Caso o contratado seja um MEI (Microempreendedor Individual), deverá declarar e recolher, caso ultrapasse o valor de renda tributável, o IRPF,  e será considerado isento do Imposto de Renda, na fonte e na declaração, o seu lucro, caso optante pelo Simples Nacional.

O primeiro passo para a declaração dos valores recebidos da empresa no exterior é a conversão destes valores em dólares dos Estados Unidos, caso o contratado receba em outra moeda. Para esta conversão, será utilizado a taxa de câmbio “Ptax” e o valor do dólar no dia 31 de dezembro do ano de exercício.

Se o contratado preferir, é possível declarar os valores mensalmente, e não apenas na declaração anual. Para isso, no caso do IRPF (Imposto de Renda Pessoa Física), deverá considerar se os rendimentos ultrapassam R$ 2.826,00 (dois mil oitocentos e vinte e seis reais) até o último dia útil do mês seguinte ao do recebimento, conforme os valores atualizados para o ano-calendário 2025.

O valor de rendimento mencionado acima considera a legislação vigente até a data de publicação deste artigo. Cabe destacar que o Projeto de Lei nº 1.087/2025, que propõe zerar o Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) para contribuintes com rendimentos mensais de até R$ 5.000,00 (cinco mil reais), foi aprovado pela Câmara dos Deputados, encontrando-se atualmente em análise pelo Senado Federal e sujeito à sanção presidencial.

Também será necessário realizar a conversão de dólar dos Estados Unidos para real com base na cotação de venda fixada pelo Banco Central para o último dia útil da primeira quinzena do mês anterior a cada pagamento.

É importante ressaltar que eventuais custos, como por exemplo, IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) e tarifas bancárias, que o contratado tiver com o recebimento dos rendimentos, poderão ser deduzidos no Imposto de Renda.

O cerne da preocupação fiscal ao receber dinheiro do exterior é a obrigação de recolhimento (pagamento) e declaração (informação) à Receita Federal (RFB). A resposta é quase sempre sim, mas a forma e o momento de fazê-lo diferem drasticamente entre Pessoas Físicas e Jurídicas.

Pessoa Física (PF): O Momento do Recolhimento

Para a Pessoa Física, a regra fundamental é o regime de caixa, ou seja, a tributação ocorre no mês em que o rendimento é efetivamente recebido.

  • Recolhimento Mensal Obrigatório (Carnê-Leão): Se o valor recebido do exterior configurar renda (como salário, freelance, aluguel ou prestação de serviços), a PF deve obrigatoriamente realizar o recolhimento do Imposto de Renda (IR) utilizando o programa Carnê-Leão da RFB. Esse recolhimento é mensal e deve ser feito até o último dia útil do mês subsequente ao recebimento. A incidência ocorre pela Tabela Progressiva.
  • Compensação (ADTs): Caso o imposto já tenha sido retido na fonte no país de origem, a PF pode utilizar esse valor para compensar o imposto devido no Brasil via Carnê-Leão, desde que exista um Acordo para Evitar Dupla Tributação (ADT) ou que a legislação brasileira permita essa compensação.
  • Declaração Anual: Independentemente do recolhimento mensal, o valor deve ser informado na Declaração de Ajuste Anual, consolidando todos os rendimentos e impostos pagos ao longo do ano.

Pessoa Jurídica (PJ): O Impacto na Base de Cálculo

Para a Pessoa Jurídica, o tratamento é mais orgânico e está ligado ao regime tributário e à contabilidade.

  • Receita Operacional: Valores recebidos pela PJ, como pagamento por exportação de serviços ou venda de bens, são classificados como Receita Operacional e devem ser imediatamente registrados na contabilidade. Esses valores compõem a base de cálculo para o Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), PIS e COFINS, de acordo com o regime de apuração (Lucro Real ou Lucro Presumido).
  • Variação Cambial: A diferença entre o valor da moeda estrangeira na data da emissão da fatura (invoice) e na data do efetivo recebimento (fechamento de câmbio) gera a Variação Cambial Ativa ou Passiva. Esse ganho ou perda deve ser reconhecido e também é tributado (ou deduzido) conforme o regime de competência ou caixa adotado pela empresa para a variação cambial.
  • Capital e Mútuo: Se o recurso for um aporte de capital ou um empréstimo, ele não é classificado como receita. Contudo, deve ser corretamente registrado no Patrimônio Líquido ou no Passivo da empresa, respectivamente, e obrigatoriamente no RDE do BACEN. O não registro de empréstimo, por exemplo, impede que os juros pagos ao exterior sejam deduzidos para fins de IRPJ.

Em suma, todo e qualquer recurso proveniente do exterior deve ser declarado à Receita Federal, seja como rendimento tributável, seja como aumento patrimonial ou endividamento, garantindo a coerência entre a informação cambial do BACEN e a informação fiscal da RFB. O risco de omissão ou erro de classificação é a aplicação de multas que podem comprometer a saúde financeira da operação.

3. Emissão de Invoice

Quando se presta serviços para empresas que estão localizadas fora do Brasil, muito se fala sobre o “invoice”, que muito se assemelha a Nota Fiscal emitida no Brasil. A invoice nada mais é do que o documento responsável por comprovar que o contratado prestou os serviços para a empresa no exterior.

Em um primeiro lugar, é importante abordar que não há um modelo oficial de invoice como ocorre com a Nota Fiscal, este documento pode ser editado pelo contratado e deverá constar as seguintes informações:

  • dados do contratado;
  • dados da empresa no exterior;
  • descrição dos serviços executados;
  • valor dos serviços na moeda do país de origem da empresa que o contratou;
  • forma de pagamento;
  • dados bancários do contratado;
  • data de emissão da invoice.

A emissão da invoice será obrigatória para o profissional que recebeu valores superiores a 3 mil dólares americanos ou quantias equivalentes em outra moeda.

Trata-se de um documento que comprova que você prestou aqueles serviços para a empresa no exterior. Nela, o profissional discrimina os serviços que executou, o valor e a forma de pagamento. É como uma nota fiscal no Brasil.

A invoice é obrigatória em transações comerciais internacionais com valores superiores a 3 mil dólares americanos ou quantia equivalente em outra moeda estrangeira.

Se o contratado não ultrapassar este valor, desde que tenha um contrato com a empresa e neste documento contenha o nome do contratado ou da empresa e o valor recebido pela prestação de serviços, não será necessária a emissão da invoice, vez que o contrato será considerado válido. Por isto, neste caso em específico, a emissão da invoice pelo contratado será opcional.

4. Faça a operação com instituição autorizada pelo Banco Central

Um dos principais cuidados ao receber dinheiro do exterior é garantir que a operação seja realizada por meio de instituição autorizada pelo Banco Central do Brasil (BCB), conforme determina a Lei nº 14.286/2021 e as Resolução BCB nº 277/2022.

Somente bancos, corretoras e instituições de pagamento devidamente credenciadas podem intermediar operações de câmbio, ou seja, converter moeda estrangeira em reais de forma legal.
Receber valores por contas de terceiros, carteiras digitais não reguladas, plataformas estrangeiras sem autorização formal ou sistemas de remessa paralelos configura infração cambial, sujeita a multas, conforme o art. 20 da Lei nº 14.286/2021.

Mesmo que o pagamento venha por empresas amplamente conhecidas, como Wise, Payoneer, Stripe, Deel ou Remitly, é essencial confirmar se há intermediação por uma instituição brasileira autorizada a operar câmbio e se foi emitido o Comprovante de Operação de Câmbio (CCE) e Registro Declaratório Eletrônico (RDE), documento que formaliza a legalidade da transação perante o Banco Central.

A operação de câmbio é o que dá lastro regulatório e fiscal ao recebimento, garantindo que o valor possa ser declarado à Receita Federal e que não haja risco de bloqueio bancário ou autuação.

Além disso, a instituição autorizada tem o dever de aplicar políticas de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo (PLD/FT), previstas na Circular BCB nº 3.978/2020, o que protege tanto o cliente quanto o sistema financeiro como um todo.

Em resumo, sempre que for receber recursos do exterior, certifique-se de que:

  • a operação é realizada por uma instituição autorizada pelo Bacen;
  • o comprovante de câmbio (CCE)/ Registro Declaratório Eletrônico (RDE) foi emitido;
  • os dados da operação constam em seu nome ou no nome da sua empresa;
  • o contrato ou recibo descreve claramente o motivo do recebimento (ex.: prestação de serviços, investimento, empréstimo etc.).

Essas medidas simples asseguram conformidade legal, transparência tributária e segurança regulatória, evitando questionamentos futuros do Banco Central, da Receita Federal ou do COAF.

5. Evidência Documental e Contratual (Contábil/Probatório)

Além da emissão da invoice, caso o contratado receba valores superiores a 3 mil dólares americanos ou quantia equivalente em outra moeda estrangeira, será necessário a apresentação do contrato de prestação de serviços firmado com a empresa estrangeira.

É importante ressaltar que, a depender do país ou da empresa, será necessário a apresentação de outros documentos.

No Brasil, toda movimentação financeira deve ter uma causa jurídica comprovável. O recebimento do exterior não pode ser um depósito “fantasma”.

  • Causa e Efeito: É essencial que a fintech ou a Pessoa Física tenha contratos, invoices ou documentos contábeis que demonstrem a origem e a razão do recurso. O simples comprovante de transferência bancária não é suficiente.
  • Moeda Funcional e Câmbio Contábil: Para PJs, o lançamento contábil deve ser feito na moeda estrangeira (moeda funcional) e convertido para Reais (R$), gerando ganhos ou perdas cambiais a serem reconhecidos no resultado. Essa diferença cambial também tem impacto fiscal e deve ser tratada rigorosamente, conforme o Pronunciamento Contábil CPC 02 (R2).
  • Transparência nas Auditorias: Em caso de fiscalização da RFB ou BACEN, a falta de documentos que liguem o recebimento (fechamento de câmbio) à prestação do serviço ou ao aporte de capital é o principal motivo de autuação fiscal.

O Banco Central, a Receita Federal e o COAF monitoram operações internacionais com base na Lei de Prevenção à Lavagem de Dinheiro (Lei nº 9.613/1998).

Por isso, guarde comprovantes, contratos, faturas e comunicações com quem enviou o dinheiro. Esses documentos são fundamentais para demonstrar a origem lícita dos valores e evitar bloqueios ou investigações.

Se você for empresa ou fintech, ainda precisa seguir políticas de compliance, KYC e due diligence (Circular Bacen nº 3.978/2020).

Tributação: como estruturar sua empresa para contratar ou prestar serviços no exterior com segurança

6. Conclusão

Receber dinheiro do exterior pode ser uma excelente oportunidade, seja para expandir negócios, atrair investimentos, exportar serviços ou atuar como profissional independente em um mercado globalizado. No entanto, junto com as oportunidades vêm também obrigações legais, regulatórias e tributárias que, se ignoradas, podem transformar uma simples remessa internacional em um problema sério com o Banco Central, Receita Federal ou COAF.

As regras para operações internacionais estão cada vez mais rígidas. O Banco Central exige transparência e rastreabilidade nas transações, e a Receita Federal monitora constantemente as entradas de recursos vindos de fora do país.

Por isso, entender o motivo do recebimento, utilizar instituições autorizadas, declarar corretamente os valores e manter documentação comprobatória não são apenas boas práticas, são exigências legais.

Na prática, a maior parte dos problemas enfrentados por pessoas físicas e jurídicas que recebem dinheiro do exterior nasce de detalhes simples: (i) o uso de plataformas não autorizadas, (ii) o enquadramento incorreto do tipo de operação, (iii) ou a ausência de registro fiscal e cambial.

Essas falhas podem levar a bloqueios de valores, multas e até autuações tributárias.

Por outro lado, quem estrutura essas operações corretamente garante segurança jurídica, economia tributária e liberdade para operar globalmente, com tranquilidade perante os órgãos de controle.

Na NDM Advogados, assessoramos pessoas físicas, empreendedores, startups, fintechs e empresas que recebem valores do exterior, cuidando de toda a parte jurídica, regulatória e tributária  dessas transações.

Nossa equipe analisa cada caso de forma personalizada, orientando sobre o enquadramento ideal da operação, registro no Banco Central, planejamento tributário e conformidade com a legislação cambial e de dados.

Se você recebe ou pretende receber recursos do exterior, seja por serviços, investimento, parceria comercial ou operação financeira, contar com orientação jurídica especializada é o primeiro passo para evitar riscos e garantir que o seu dinheiro chegue de forma segura, legal e estratégica.

Por Jhenifer Messias

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