É de conhecimento geral que a Lei Anticorrupção foi recepcionada no Brasil através da Lei 12.846 do ano de 2013, com o objetivo de dispor sobre a responsabilização administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública. Sendo que, no ano de 2015, a mesma sofreu alterações por ocasião da publicação do Decreto 8.420, que foi revogado por ocasião da publicação do novo Decreto 11.129 de 2022.
1. Quais as principais alterações trazidas pelo novo Decreto?
No decreto anterior, era disposto que, a partir da ciência de possível ato lesivo contra a Administração Pública, deveria a autoridade competente: abrir uma investigação preliminar, instaurar um PAR - Processo Administrativo de Responsabilização, ou arquivar a matéria.
O PAR tem como objetivo analisar a responsabilidade administrativa de pessoas jurídicas pela prática dos atos lesivos contra a Administração Pública.
O novo Decreto, mantém o PAR como uma opção, contudo, o titular da corregedoria da entidade ou unidade competente poderá somente sugerir o PAR, ou seja, não é o órgão responsável pela sua instauração.
Além disso, em relação à investigação preliminar, o novo Decreto trouxe alterações, principalmente relacionadas às diligências necessárias que deverão ser praticadas, como por exemplo em relação à atuação de profissionais e especialistas com conhecimento técnico necessário para atuar na análise da matéria.
Em relação ao período de duração da investigação preliminar, o novo Decreto também trouxe alteração, dilatando-o para 180 (cento e oitenta) dias, podendo ainda ser prorrogado.
Outra mudança significativa foi em relação ao PAR, sendo que a partir da nova redação temos um procedimento mais claro e objetivo, contendo todo o passo a passo que ele seguirá. O órgão responsável pelo PAR é da autoridade máxima da entidade em face da qual foi praticado o ato lesivo, ou em se tratando de órgão da administração pública federal direta, será do respectivo Ministro de Estado, devendo ser designado uma comissão composta por 2 (dois) ou mais servidores estáveis, que irá avaliar os fatos e circunstâncias, intimando a Pessoa Jurídica para apresentar no prazo de 30 (trinta) dias, defesa escrita e especificar as provas que deseja produzir.
Em se tratando de Pessoa Jurídica estrangeira, esta poderá ser intimada através da pessoa do gerente, representante ou administrador de sua filial, agência, sucursal, estabelecimento ou escritório instalado no Brasil, sem que para isso tenha que ser apresentada procuração ou outro documento.
Sendo finalizado pela comissão a apuração e análise, deverá ser elaborado um relatório contendo o resumo dos fatos apurados e sugerindo, de forma motivada: as sanções a serem aplicadas, com a dosimetria ou o arquivamento do processo; o encaminhamento do relatório a autoridade competente para instauração de processo administrativo específico para reparação de danos; o encaminhamento do relatório final à Advocacia-Geral da União, para ajuizamento da ação mencionada no Artigo 19 da Lei Anticorrupção que aborda os crimes previstos no Artigo 5º da mesma lei; encaminhamento do processo ao Ministério Público para apuração de eventuais delitos; apontando as condições necessárias para concessão de reabilitação, caso se aplique.
Após a finalização das atividades da comissão, e envio do relatório, cabe à autoridade competente o julgamento do PAR.
Outro ponto de grande relevância que foi alterado pelo novo Decreto é a respeito das multas, tendo como base de cálculo o faturamento bruto da pessoa jurídica no último exercício anterior ao da instauração do PAR, excluídos os tributos. Contudo, a multa ainda pode ser calculada de outras formas, como através de compartilhamento de informações tributárias; através de registros contábeis produzidos ou publicados pela Pessoa Jurídica acusada; estimativa, levando em consideração informações sobre a situação econômica da Pessoa Jurídica; ou ainda identificação do montante total de recursos recebidos pela pessoa jurídica sem fins lucrativos no ano anterior ao da instauração do PAR, excluídos os tributos incidentes sobre vendas.
Em relação à multa, verifica-se que a mesma se tornou mais rígida, levando em consideração os percentuais usados para a base de cálculo, como por exemplo: No decreto anterior, em caso de contratos, convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres mantidos ou pretendidos com o órgão ou com as entidades lesadas, nos anos da prática do ato lesivo, quando a somatória dos instrumentos ultrapassava R$ 1.000.000.000,00 (um bilhão de reais) era aplicado o percentual de 5% (cinco por cento), contudo, no novo Decreto, para aplicação do percentual de 5% (cinco por cento) a somatória dos instrumentos deve ultrapassar somente R$ 250.000.000,00 (duzentos e cinquenta milhões de reais).
Além disso, o novo Decreto trouxe diversas outras alterações necessárias que tem como objetivo aprimorar as ações dos entes na responsabilização das Pessoas Jurídicas pelos atos atentatórios contra a Administração Pública.
Quais são as implicações das mudanças trazidas pelo novo Decreto para sua Empresa?
Como já mencionado em outros artigos, apesar de ser um tema relativamente novo em termos jurídicos, o Compliance se mostra uma figura presente e extremamente necessária para Empresas que buscam a segurança e a boa imagem perante o mercado.
Sendo assim, para que isso seja possível, é necessária atenção às principais normativas sobre o tema, como a Lei Anticorrupção e a Lei que trata sobre os Crimes de "Lavagem" ou Ocultação de Bens, Direitos e Valores.
As implicações das mudanças trazidas pelo novo Decreto são diversas, mas, principalmente, podemos falar sobre a investigação preliminar, que foi melhor desenvolvida pelo Decreto 11.129, com o objetivo de verificar a autoria e materialidade do ato lesivo. E o que é essa verificação de autoria e materialidade? A busca pela autoria está ligada ao autor, ou seja, a pessoa que cometeu o ato lesivo, já quando falamos em materialidade, a mesma pode ser entendida como o ato lesivo em si.
Em relação a investigação preliminar entendemos que essa mudança legislativa é positiva para a sua Empresa, pois através dela será praticado todos os atos necessários à elucidação dos fatos sob apuração, sendo assim, não ocorrerá a instauração do PAR de forma imediata.
Além disso, outra alteração positiva foi em relação ao procedimento do PAR, que discorre com mais detalhes sobre a intimação e produção de provas por parte do investigado. Nesse sentido, uma outra inovação foi à respeito do Artigo 8º, § 2º, que diz que: “Caso a pessoa jurídica apresente em sua defesa informações e documentos referentes à existência e ao funcionamento de programa de integridade, a comissão processante deverá examiná-lo segundo os parâmetros indicados no Capítulo V, para a dosimetria das sanções a serem aplicadas”. Ou seja, o programa de integridade é todo mecanismo e procedimento interno que tem como objetivo incentivar denúncias de irregularidades, e aplicar de forma efetiva as Políticas de Compliance.
O Parágrafo único do artigo 56 do novo Decreto menciona ainda que: “O programa de integridade deve ser estruturado, aplicado e atualizado de acordo com as características e os riscos atuais das atividades de cada pessoa jurídica, a qual, por sua vez, deve garantir o constante aprimoramento e a adaptação do referido programa, visando garantir sua efetividade”. Isso quer dizer que, não adianta a Empresa solicitar, por exemplo, no início de suas atividades a criação de Políticas de Compliance e nunca revisá-las, sendo necessário que os riscos mapeados estejam sempre de acordo com a realidade atual do negócio.
Sendo que, caso a Empresa possua um Programa de Integridade/Compliance eficaz, no momento da dosimetria da multa, de acordo com o Artigo 23 do novo Decreto, poderá ser subtraído até 5% (cinco por cento) quando for verificado que a Pessoa Jurídica possui e aplica de fato o Programa de Compliance.
Nesse sentido, o Artigo 57, inciso XIII, menciona que o Programa de Integridade será avaliado, quanto a sua existência e aplicação, de acordo com as diligências apropriadas, baseadas em risco para: contratação e, conforme o caso, supervisão de terceiros, tais como fornecedores, prestadores de serviço, agentes intermediários, despachantes, consultores, representantes comerciais e associados; contratação e, conforme o caso, supervisão de pessoas expostas politicamente, bem como de seus familiares, estreitos colaboradores e pessoas jurídicas de que participem; e realização e supervisão de patrocínios e doações. Ou seja, nesse sentido um dos documentos principais é a Política de KYC, ou Política de Conheça seu Cliente, onde será abordado principalmente mecanismos de due diligence no momento do cadastro de clientes e durante o período em que ele permanecer na base.
CONCLUSÃO
Ou seja, a partir dos pontos acima, é possível entender que o Compliance é uma ferramenta extremamente importante para as Empresas, inclusive as que se encontram no estágio inicial.
O Programa de Compliance tem como objetivo três pilares fundamentais, sendo eles: prevenção, detecção e correção. Mencionando o Programa em relação a Corrupção, o mesmo será essencial para evitar atitudes que possam se relacionar com os atos lesivos à Administração Pública, trará ferramentas para remediar, caso ocorra e ainda, beneficiará aquele que a aplica corretamente em casos de sanções.
Para a criação e atualização de um Programa de Compliance eficaz, conte sempre com o auxílio de um Advogado Especializado.
Por Marília Pavinski