Split Payments na Reforma Tributária: Como Funciona e Quais as Vantagens

A reforma tributária em discussão no Brasil tem gerado grande expectativa em diversos setores da economia, e um dos segmentos que será significativamente impactado é o de fintechs, especialmente aquelas que utilizam o Split Payments (Split de pagamento).

O split payments refere-se à divisão de uma transação financeira em diferentes partes, de forma automática, onde cada uma é destinada a um beneficiário distinto.Logo, ao utilizar o split de pagamento a sua empresa irá receber apenas os valores pertinentes à prestação de serviço concluída e não sobre o valor total das transações, e assim, não haverá bitributação.

A Resolução BCB nº 150, de 6 de outubro de 2021, estabelece a figura do subcredenciador no Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB). De acordo com a resolução, o subcredenciador é um participante do arranjo de pagamento que habilita o usuário final para aceitar instrumentos de pagamento emitidos por instituições financeiras ou de pagamento, mas não participa do processo de liquidação das transações como credor perante o emissor.

A utilização do split de pagamento pelos  subadquirentes busca garantir que apenas os valores relativos à prestação de serviços sejam recebidos, evitando a bitributação e assegurando o direcionamento correto dos recursos. A responsabilidade pela emissão das notas fiscais e pelo recolhimento dos tributos caberá a cada recebedor envolvido na transação, com o objetivo de garantir a transparência e a conformidade com as normas fiscais. Recomenda-se que cada parte envolvida mantenha registros detalhados e adequados para facilitar a comprovação da correta tributação e evitar problemas com o fisco.

Nesse sentido, a utilização do SPLIT permite que o marketplace ou parceiro não participe da liquidação das transações, recebendo apenas o que lhe é devido pelo serviço prestado, de modo que o restante dos valores será encaminhado diretamente ao estabelecimento recebedor final da operação.

Além disso, é possível utilizar uma interface da API para emissão de notas fiscais que pode ser integrada ao software de gestão financeira e de vendas da empresa, permitindo que a nota fiscal seja gerada automaticamente e lançada no sistema que gerencia entradas e saídas. Dessa forma, é possível definir previamente a porcentagem da venda destinada à nota de produto e à nota de serviço, possibilitando que um pagamento digital, realizado por maquininha ou online, seja dividido entre diferentes recebedores em uma única transação, evitando a bitributação.

No que se refere à legalidade, não há restrições jurídicas para o uso do split de pagamentos, desde que os procedimentos sejam realizados em conformidade com as normas e regulamentações estabelecidas pelos órgãos competentes. Para assegurar a legalidade do split de pagamento é recomendado que a empresa tenha um contrato ou acordo estabelecido entre os profissionais envolvidos, definindo as regras e condições de pagamento. O consentimento dos participantes é necessário para que a operação esteja em conformidade com a lei.

ASPECTOS TRIBUTÁRIOS E CONTÁBEIS ANTES DO SPLIT PAYMENTS

No tocante à tributação, o principal aspecto a ser considerado é a incidência de impostos sobre as transações realizadas. A Receita Federal e os órgãos estaduais e municipais estabelecerão as normas que regulam a tributação de cada transação financeira. No Brasil, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) são os tributos mais relevantes, sendo aplicáveis conforme a natureza dos serviços e mercadorias envolvidas.

O ICMS incide sobre a circulação de mercadorias e, portanto, é relevante para transações que envolvam a venda de produtos. No contexto de split de pagamento, é importante observar que o ICMS deve ser recolhido de acordo com o valor total da operação, independentemente da divisão do pagamento. A base de cálculo do ICMS é o valor da operação ou prestação, e não o valor dividido entre os diferentes fornecedores. Assim, cada fornecedor que participa da transação deve emitir a nota fiscal correspondente e recolher o ICMS devido sobre o valor efetivamente recebido.

Já o ISS  é regido pela Lei Complementar nº 116/2003  e incide sobre a prestação de serviços. Quando uma operação envolve split de pagamento, o prestador de serviços deve observar que o ISSQN é devido sobre o valor do serviço prestado, e não sobre a forma como o pagamento é dividido. Cada prestador de serviço deve emitir sua própria nota fiscal e recolher o ISSQN correspondente ao serviço que efetivamente prestou, conforme as alíquotas estabelecidas pelo município onde o serviço foi realizado.

Além disso, o subadquirente deve observar a legislação pertinente ao recolhimento de tributos sobre a receita proveniente da sua atividade de processamento e split de pagamentos.

Dependendo do regime tributário adotado pelo subadquirente, como o Simples Nacional, Lucro Presumido ou Lucro Real, a forma de cálculo e a alíquota dos impostos podem diferir. Nesse sentido, os Programas de Integração Social (PIS) e de Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) também podem incidir sobre as receitas auferidas pelas empresas envolvidas no Split de pagamento. Essas contribuições, de competência federal, são calculadas sobre o faturamento bruto e devem ser recolhidas proporcionalmente à parte do pagamento que cada beneficiário recebe.

Ademais, é importante ressaltar que a atividade do subadquirente pode envolver a retenção de impostos na fonte, especialmente em relação ao ISS, que pode ser retido pelo prestador do serviço (o subadquirente) e recolhido aos cofres públicos. A tributação do Imposto de Renda deve ser feita de acordo com a natureza da receita recebida por cada parte envolvida no split. A receita recebida será tributada conforme o regime tributário ao qual cada prestador de serviço ou fornecedor está submetido, seja o Simples Nacional, Lucro Presumido ou Lucro Real.

Do ponto de vista contábil, a operação de Split Payment exige um registro detalhado e preciso de cada parte do pagamento. A contabilidade deve refletir a divisão dos valores conforme as transações realizadas e garantir que os impostos sejam contabilizados  corretamente. É necessário manter uma documentação adequada que justifique a divisão dos pagamentos e a apuração dos impostos correspondentes.

A aplicação incorreta do Split Payment pode acarretar em penalidades e multas por parte das autoridades fiscais, ou seja, a não conformidade com as normas tributárias pode resultar em autuações e complicações legais para os envolvidos.

MUDANÇAS NO SISTEMA TRIBUTÁRIO E IMPACTOS NO SPLIT PAYMENTS

A Reforma Tributária (PLP 68/2024), em resumo, tem como um dos principais pilares a substituição dos cinco tributos atuais (PIS, COFINS, ICMS, ISS e IPI) por um Imposto sobre Valor Adicionado (IVA). Este IVA será composto pela CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) de estados e municípios, e o IS (Imposto Seletivo). Nesse sentido,a reforma tributária em discussão introduziu mudanças significativas no conceito de "split payment".

Com o advento desses tributos unificados, o impacto sobre o modelo de split de pagamento será significativo tendo em vista que atualmente, as fintechs que operam com essa funcionalidade precisam gerir o recolhimento de diferentes impostos conforme o recebedor esteja localizado em diferentes estados ou municípios, e conforme o tipo de serviço ou bem fornecido. Essa multiplicidade de tributos, que muitas vezes resulta em regimes tributários específicos e alíquotas distintas, será substituída pela unificação da base de cálculo, o que promete uma simplificação no processo de recolhimento fiscal.

Além disso, este mecanismo de pagamento permite a separação automática dos tributos devidos em uma transação comercial no momento do pagamento visando garantir o recolhimento do tributo no momento do pagamento pelo consumidor. Com isso, diminui-se a inadimplência e impedir a sonegação fiscal.

Tendo em vista que em vez de o vendedor receber o valor total da venda para, posteriormente, recolher os impostos devidos ao fisco, o "split payment" desconta os tributos diretamente no ato do pagamento e os repassa aos respectivos entes tributários, como o governo federal, estadual ou municipal.

Nesse sistema, quando uma venda é realizada e o pagamento é processado, o valor correspondente aos impostos, como o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), é automaticamente separado e transferido ao governo. O vendedor recebe apenas a parte líquida, já descontada dos tributos, o que reduz o risco de sonegação fiscal, pois os impostos são pagos de forma automática e simultânea à transação.

O "split payment" pode ser aplicado a diversos métodos de pagamento, como boletos, Pix, cartões de débito e crédito, garantindo que a arrecadação tributária ocorra de maneira eficiente e segura. Além disso, o sistema simplifica a vida dos empresários, que não precisam se preocupar com o recolhimento posterior dos tributos, e assegura ao fisco o recebimento imediato dos impostos devidos.

O parecer do grupo de trabalho (GT) da reforma tributária alterou as regras do "split payment" e criou três modalidades distintas para o sistema: inteligente, simplificado e manual. O modelo inteligente prevê que o meio de pagamento consulte o sistema da Receita Federal e do Comitê Gestor do IBS para recolher apenas a diferença entre o valor que incidiria na operação e o valor já compensado por créditos ao fornecedor. Isso visa evitar retenções excessivas e garantir que o imposto seja recolhido corretamente.

O modelo simplificado é destinado a vendas no varejo para não contribuintes, onde um percentual fixo de IBS/CBS é automaticamente segregado. Este sistema é opcional para o fornecedor, com a alíquota de retenção a ser definida conjuntamente pela Receita Federal e pelo Comitê Gestor.

Já o modelo manual aplica-se aos pagamentos realizados fora do sistema financeiro, como em dinheiro ou cheque. Nesse caso, o "split payment" é realizado manualmente, sem a automatização proporcionada pelos sistemas financeiros eletrônicos.

Independentemente do modelo adotado, os meios de pagamento são responsáveis apenas pelo recolhimento dos tributos, não sendo responsabilizados em caso de inadimplência ou erro nas informações prestadas.

Além disso, o parecer estabelece que será aprovado um orçamento pelo Poder Executivo e pelo Comitê Gestor do IBS para o desenvolvimento, operação e manutenção do sistema, de modo a garantir seu pleno funcionamento, o que tem gerado preocupações entre as empresas. Caso o sistema não seja adotado, as empresas poderão utilizar os créditos acumulados sem a exigência de que o fornecedor tenha outros tributos a abater. O projeto também permite o ressarcimento em dinheiro, caso não haja tributos a serem compensados.

Contudo, os prazos estabelecidos pelo governo para o ressarcimento eram considerados excessivamente longos pelas empresas, que se viam obrigadas a recorrer a meios mais caros para financiar seu capital de giro, como empréstimos. Embora os deputados tenham suavizado esses prazos, algumas restrições ainda permanecem. Se o governo atrasar os pagamentos além do prazo estipulado, será obrigado a corrigir os valores pela taxa Selic. As empresas solicitaram uma remuneração maior para evitar a retenção de créditos, mas esse pedido não foi atendido pelo GT.

DESAFIOS OPERACIONAIS PARA AS FINTECHS QUE OPERAM COM SPLIT

Um dos principais desafios trazidos pela reforma tributária para as fintechs que operam com split de pagamento será a adaptação tecnológica. A implementação de um sistema unificado de tributos exigirá a atualização dos sistemas de gestão e processamento de pagamentos, de forma que possam integrar as novas regras tributárias. Isso inclui a adequação para calcular as alíquotas corretas de IBS e CBS, bem como garantir que o recolhimento dos tributos seja feito conforme as novas regras de tributação no destino.

Além disso, será necessário que as fintechs estabeleçam mecanismos de compliance robustos para lidar com a fiscalização e auditoria fiscal, que deverão ser intensificadas com as novas normas.

O monitoramento de transações em plataformas de split de pagamento pode se tornar mais rigoroso, especialmente no que se refere à correta apuração do imposto devido em cada localidade, de acordo com a nova legislação.

Vale lembrar que a legislação atual já prevê rigor no cumprimento das obrigações fiscais, de compliance e LGPD (Lei geral de proteção de dados- Lei nº 13.709, de 14 de Agosto de 2018), para empresas de tecnologia financeira, como no caso da  Resolução BCB Nº 264, de 25 de novembro de 2022 e da Circular Bacen nº 4.014 de 30/4/2020 por exemplo. Com a reforma tributária, é provável que novos mecanismos de controle sejam implementados para garantir a conformidade das fintechs, especialmente em relação ao recolhimento dos novos tributos.

CONCLUSÃO

Pode-se concluir que a tributação em split de pagamento, no contexto de operações realizadas por subadquirentes, deve ser conduzida com base no valor total da transação, com cada prestador de serviço ou fornecedor responsabilizado pelo recolhimento dos tributos sobre o valor recebido. O ICMS e o ISSQN devem ser calculados e recolhidos conforme as normas vigentes, e o Imposto de Renda deve ser apurado conforme o regime tributário aplicável a cada parte. Além disso, estar em conformidade com as normas tributárias é importante para evitar problemas fiscais e garantir a operação eficiente e legal de subadquirentes no mercado de pagamentos.

A responsabilidade pela emissão das notas fiscais e pelo recolhimento dos tributos caberá a cada recebedor envolvido na transação, com o objetivo de garantir a transparência e a conformidade com as normas fiscais. Recomenda-se que cada parte envolvida mantenha registros detalhados e adequados para facilitar a comprovação da correta tributação e evitar problemas com o fisco.

No que tange à Reforma Tributária (PLP 68/2024), esta propõe substituir os tributos atuais (PIS, COFINS, ICMS, ISS e IPI) por um Imposto sobre Valor Adicionado (IVA), composto pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e o Imposto Seletivo (IS). Introduz o "split payment", que desconta e repassa automaticamente os tributos no momento do pagamento, reduzindo a inadimplência e a sonegação fiscal. No sistema de "split payment", os tributos são descontados do valor da transação e transferidos diretamente ao governo, enquanto o vendedor recebe apenas a parte líquida e propõe três modalidades distintas para o sistema.

O PLP 108/2024  está sendo analisado pela Câmara dos Deputados, com votação prevista para o final do segundo semestre de 2024. As empresas devem se preparar para adaptar seus sistemas e processos às novas regras bem como acompanharem de perto essas deliberações, pois as regras definidas terão consequências diretas sobre a forma como as transações comerciais e o recolhimento de tributos serão conduzidos no futuro e ter um respaldo contábil e tributário eficiência a fim de auxiliá-los com essas questões.

Por Fabiana Faeda