Compliance e Expansão De Negócios: Como Manter a Conformidade ao Levar Sua Startup Para o Exterior?

À medida que as startups buscam novas oportunidades de crescimento, a expansão de suas operações para outros países pode se tornar um objetivo estratégico. No entanto, essa jornada promove desafios significativos, especialmente no que diz respeito ao cumprimento das regulamentações internacionais, na perspectiva do compliance.

Ao cumprir as regulamentações locais e internacionais, as startups podem construir relações de confiança com clientes, parceiros, investidores e autoridades regulatórias estrangeiras. Além disso, estar em conformidade pode abrir portas para novos mercados e oportunidades de crescimento sustentável.

Compliance é o termo utilizado para descrever a conformidade de uma empresa ou organização com leis, regulamentos externos e internos, diretrizes e códigos de conduta relevantes para suas operações.

O objetivo principal do compliance é garantir que a organização opere de maneira ética, legal e em conformidade com padrões estabelecidos, evitando irregularidades, violações legais, riscos à reputação e possíveis penalidades.

O compliance abrange diversas áreas de forma específica, como o compliance financeiro, o compliance trabalhista e o ESG (Environmental, Social and Governance). Para cada uma delas, há diretrizes a serem observadas, que podem variar significativamente conforme o país de atuação.

A depender das áreas de atuação da empresa, um programa de compliance direcionado à ampliação de suas operações para o exterior pode concentrar-se em: evitar a corrupção e suborno, proteger-se contra crimes financeiros, inibir a concorrência desleal, vedar irregularidades relacionadas ao uso de dados e privacidade, mitigar comportamentos de assédio e discriminação, ou até mesmo criar mecanismos para evitar violações ambientais, por exemplo.

A estruturação de um programa de compliance efetivo abarca uma série de atividades e procedimentos que visam identificar, avaliar, monitorar e mitigar os riscos de não conformidade mais pertinentes para a realidade da empresa. Isso pode incluir, dentre outros:

  1. A implementação de códigos de ética e conduta;
  2. O desenvolvimento de políticas internas;
  3. A definição de procedimentos de checagem de informações relacionadas a clientes, parceiros, colaboradores e fornecedores;
  4. A realização de treinamentos regulares para funcionários;
  5. A condução de auditorias internas e externas;
  6. A designação de setores responsáveis por aplicar os procedimentos de compliance;
  7. E a criação de canais de denúncia para relatar potenciais violações.

Todos estes procedimentos devem estar alinhados à legislação do país em que as novas operações da startup serão desenvolvidas, aos regulamentos e leis de cada região e aos tratados internacionais mais importantes.

Cumprir as regulamentações internacionais é complexo devido à diversidade de leis, culturas e práticas comerciais. Alguns dos principais desafios incluem entender e interpretar as leis locais, lidar com questões de idioma e cultura, e adaptar os processos internos para garantir a conformidade contínua.

COMO INICIAR A ADAPTAÇÃO DO COMPLIANCE PARA O EXTERIOR?

Como primeiro passo, é recomendável que se conduza um estudo aprofundado sobre as leis do país em que se pretende atuar e as leis das respectivas localidades onde as operações incidirão, sejam estados ou províncias, distritos, regiões ou municípios. Neste estudo, é essencial que se considere também as leis de outros países que influenciaram na construção do compliance naquele país.

Leis emblemáticas e que influenciaram diretamente na estruturação do compliance de forma global são a Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) e a Lei Sarbanes-Oxley (SOX), dos Estados Unidos, e o UK Bribery Act, promulgado pelo Reino Unido em 2010.

Outro ponto importante é que a empresa verifique se sua atuação está alinhada às principais convenções e tratados internacionais em matéria de compliance.

Para mitigar riscos relacionados à corrupção, por exemplo, é imprescindível a adequação à Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção, a Convenção Sobre Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, e a Convenção Interamericana Contra a Corrupção.

Em matéria de compliance ambiental, diferentemente, é essencial o cumprimento da Convenção sobre Diversidade Biológica, do Protocolo de Kyoto e do Acordo de Paris.

Além de se observar os tratados e convenções internacionais, por fim, é recomendável a conformidade com as orientações fornecidas pelas organizações intergovernamentais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), o Banco Mundial (BM), o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Organização Mundial do Comércio (OMC) e o Grupo de Ação Financeira (GAFI). As recomendações em matéria de compliance fornecidas por organizações intergovernamentais desempenham um papel fundamental na promoção de padrões globais de conformidade e na orientação das práticas de negócios em todo o mundo.

Ao encorajar a adesão voluntária, essas diretrizes promovem a confiança do mercado, facilitando o comércio e o investimento em escala internacional. Além disso, contribuem para a harmonização de normas e para o desenvolvimento sustentável global.

ESTRATÉGIAS PRÁTICAS PONTUAIS

1. Adaptação efetiva de documentos, políticas e procedimentos

Uma vez realizado o estudo sobre as leis, convenções e tratados internacionais e as recomendações fornecidas pelas organizações intergovernamentais, a startup que pretende expandir seus negócios para outro país deve conduzir a adaptação de seus documentos, políticas e procedimentos de compliance.

Essa adaptação não se restringe apenas à tradução dos documentos ou à compreensão das novas regulamentações. É preciso uma profunda análise das diferenças entre os contextos legais e culturais, além de uma revisão minuciosa dos processos internos da empresa.

Eventualmente, haverá a necessidade de alterações significativas em contratos, procedimentos de proteção de dados e segurança cibernética, práticas de recursos humanos, aspectos fiscais e contábeis, e até mesmo sobre a estruturação societária e a cultura organizacional.

2. Implementação ou reforço de procedimentos de due diligence

No contexto da expansão internacional de uma startup brasileira, a implementação ou reforço dos procedimentos de due diligence é fundamental para garantir a conformidade regulatória e mitigar riscos associados à entrada em novos mercados. A verificação rigorosa de dados, documentos e informações de clientes, parceiros, colaboradores e fornecedores torna-se uma prioridade para garantir a integridade das relações comerciais e evitar possíveis problemas legais ou reputacionais.

Neste sentido, a adoção de softwares especializados em background check e outras tecnologias pode ser altamente benéfica, agilizando o processo de verificação e fornecendo insights valiosos para tomadas de decisão informadas. Essas ferramentas automatizadas não apenas oferecem uma análise mais eficiente e abrangente dos dados, mas também ajudam a identificar potenciais problemas ou irregularidades que podem passar despercebidos em verificações manuais.

Além disso, ao consolidar e centralizar as informações relevantes, os softwares de background check facilitam a gestão e o monitoramento contínuo da conformidade ao longo do tempo, contribuindo para a construção de relacionamentos comerciais sólidos e de confiança em mercados estrangeiros.

3. Utilização de cláusulas de compliance

Para formalizar contratos em âmbito internacional, é crucial que uma startup brasileira exija de seus parceiros e fornecedores o mesmo nível de diligência e comprometimento com as melhores práticas de compliance que ela mesma segue. Isso não apenas promove a integridade e a transparência nas relações comerciais, mas também reduz o risco de exposição a atividades ilícitas ou não éticas que possam prejudicar a reputação da empresa. Ao estabelecer cláusulas contratuais que exigem o alinhamento às normas e regulamentações locais e internacionais, a startup reforça a importância de um ambiente de negócios ético e responsável, garantindo que todas as partes envolvidas estejam comprometidas com os mais altos padrões de conduta empresarial.

Além disso, ao demandar o cumprimento das mesmas exigências de compliance impostas internamente, a startup estabelece uma base sólida para parcerias duradouras e mutuamente benéficas. Isso demonstra o compromisso da empresa com a conformidade legal e a ética nos negócios, construindo confiança e credibilidade junto aos parceiros e fornecedores internacionais.

Em um ambiente empresarial cada vez mais globalizado e regulamentado, o alinhamento às melhores práticas de compliance não é apenas uma vantagem competitiva, mas uma necessidade essencial para garantir o sucesso e a sustentabilidade das operações em nível internacional.

4. Implementação de cláusulas de arbitragem

Uma cláusula de arbitragem é um dispositivo inserido em um contrato que estabelece que qualquer disputa ou controvérsia decorrente deste contrato será resolvida por meio de uma câmara de arbitragem, em vez de ser levada a um tribunal tradicional. A arbitragem é um processo no qual as partes envolvidas concordam em submeter a disputa a um ou mais árbitros neutros e imparciais, escolhidos por elas ou indicados por uma instituição arbitral.

Os árbitros conduzem o processo de maneira privada e em conformidade com as regras e procedimentos estabelecidos pelas partes ou pela instituição arbitral. Após considerar os argumentos e evidências apresentados por ambas as partes, os árbitros emitem uma decisão vinculativa, conhecida como sentença arbitral, que resolve a disputa de forma final e executável. Uma vez que as partes concordam com a cláusula de arbitragem, elas estão vinculadas a resolver qualquer disputa futura por meio desse processo, em vez de recorrer aos tribunais tradicionais.

A implementação de cláusulas de arbitragem nos contratos formalizados em âmbito internacional também se consagra como uma estratégia importante, oferecendo vantagens como a escolha de árbitros especializados no assunto em questão, maior confidencialidade nos procedimentos e decisões, mantendo os assuntos comerciais longe do escrutínio público, e uma maior agilidade e flexibilidade nas decisões que serão proferidas.

5. Cultivo a uma cultura de compliance

Uma cultura de compliance se consagra pelo conjunto de princípios, comportamentos e práticas adotados dentro de uma empresa para garantir a aderência às leis, regulamentos e padrões éticos em todas as suas operações. Essa cultura fomenta a integridade, transparência e responsabilidade em todos os aspectos da organização, desde a Diretoria ou Alta Administração, até os colaboradores de cada setor. Desenvolver uma cultura de compliance em uma startup é essencial para garantir a conformidade, especialmente durante a expansão para o exterior.

Isso envolve um comprometimento claro da liderança em promover a integridade e a conformidade em todos os níveis da organização, além de investir em educação e treinamento para todos os funcionários, enfatizando as políticas internas.

Ao implementar controles internos robustos, realizar avaliações regulares de riscos e promover uma comunicação transparente, a startup pode mitigar os riscos legais e reputacionais, ao mesmo tempo em que constrói uma base sólida para o crescimento sustentável e ético nos mercados internacionais.

CONCLUSÃO

Ao considerar a expansão de uma startup para o exterior, é imperativo que se aborde o âmbito do compliance de maneira abrangente e estratégica. A conformidade com as regulamentações internacionais não apenas fortalece a credibilidade da empresa, mas também abre portas para novas oportunidades de negócios em mercados estrangeiros.

Desde a implementação de cláusulas contratuais que exigem o alinhamento às normas locais e internacionais, até a adoção de procedimentos de due diligence rigorosos, cada passo é fundamental para garantir que a startup opere de maneira ética e legal em seu processo de expansão.

A adaptação efetiva dos documentos, políticas e procedimentos de compliance também desempenha um papel crucial nesse processo. A análise minuciosa das diferenças culturais e legais entre o Brasil e o país-alvo, juntamente com a conformidade com tratados e convenções internacionais relevantes, é essencial para o sucesso da expansão internacional. Além disso, a implementação de cláusulas de arbitragem nos contratos internacionais pode proporcionar um ambiente mais eficiente e imparcial para a resolução de disputas, contribuindo para a segurança e estabilidade das operações da startup no exterior.

Por fim, o cultivo de uma cultura de compliance dentro da organização é fundamental para sustentar o compromisso com a conformidade em todas as áreas e níveis da empresa. Desde a liderança até os colaboradores mais diretos, todos devem estar engajados na promoção da integridade, transparência e responsabilidade nos negócios.

Ao seguir esses princípios e adotar uma abordagem proativa em relação ao compliance, as startups podem enfrentar os desafios da expansão internacional com maior segurança e sucesso.

É importante ressaltar que todas essas medidas exigem o apoio de um jurídico especializado  na área de compliance, que possa fornecer orientações precisas e estratégicas para garantir o cumprimento das regulamentações em cada mercado alvo.

Por Tulio Rezende Teixeira