Nas últimas semanas, tem-se comentado na mídia internacional e em portais de tecnologia, o fato de um crescente número de atores, músicos e estrelas virais da internet (“memes”) terem demandado judicialmente a Epic Games, criadora do famoso jogo gratuito de tiro em terceira pessoa Fortnite, alegando principalmente a lesão à copyright, em virtude de um suposto uso não autorizado e não remunerado de dance moves (coreografias).
Panorama geral do caso:
O Fortnite é conhecido por ser um jogo gratuito e que gera receita por meio de micro transações, de tal forma que ao invés de cobrar pelo jogo em si, a empresa desenvolvedora do game lança atualizações contendo itens personalizados – porém pagos – para os personagens, tais como skins (roupas) e, até mesmo, dance moves (coreografias).
Foi aí que se iniciou a polêmica. Uma vez que a empresa passou a monetizar por meio de transações envolvendo coreografias criadas por pessoas reais (atores e “memes” da internet), tais criadores – por exemplo: Alfonso Ribeiro e 2 Milly – começaram a pleitear os seus direitos de copyright na Justiça, alegando que a Epic Games não havia solicitado a autorização para o uso de tais movimentos de dança e, ainda, não estaria oferecendo uma contrapartida financeira em virtude das micro transações envolvendo virtualmente coreografias autorais.
Qual é a razão do pedido dos criadores das coreografias?
A razão é que nos EUA a questão é regulada pela lei de copyright, de origem anglo-saxã, e que diz respeito ao direito que o autor tem sobre a reprodução da sua obra, de maneira que todo uso e/ou cópia da mesma cria a obrigação da autorização do autor e da compensação financeira, em virtude da exploração patrimonial das obras através do direito de reprodução.
Nesse sentido, de acordo com o Copyright Act (o título nº 17 do U.S. Code), em seu § 102 (a) (4), desde que as criações sejam originais e estejam fixadas de uma forma tangível, as coreografias devem ser protegidas.
No Brasil as coreografias também são protegidas?
Diferentemente da legislação estadunidense, na legislação brasileira não existe o copyright – direito de reprodução. Entretanto, a nossa legislação (lei nº 9.610/98) trata de direitos autorais, com abrangência nacional.
Pode-se dizer que a maior diferença entre o copyright e os direitos autorais reside no foco que o legislador de cada País dá a questão. Nos EUA, a ênfase é dada ao lado econômico dos direitos do autor, em virtude da exploração patrimonial das obras; já no Brasil, o foco está na pessoa do autor, destacando os direitos morais advindos do uso indevido/não autorizado de uma obra.
No Brasil, para que uma obra mereça proteção é necessário que ela esteja fixada de alguma forma, em qualquer suporte, seja ele tangível ou intangível; e, ainda, seja original. Em outras palavras, é preciso que o autor (pessoa física ou jurídica) crie uma obra literária, artística ou científica totalmente diferenciada e perceptível por meio de algum suporte para que mereça a proteção oferecida pelo art. 7º da lei 9.610/98. Veja:
Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro (...).
Dessa forma, quando falamos de coreografias originais e que possuem a sua execução fixada de alguma forma (por escrito, por meio de gravação em vídeo etc.) existe a possibilidade de exigir a proteção dada pela lei brasileira de direitos autorais, uma vez que o inciso IV, do art. 7º, dispõe que são protegidas:
(...)
IV - as obras coreográficas e pantomímicas, cuja execução cênica se fixe por escrito ou por outra qualquer forma;
(...)
Ainda, é importante destacar que em virtude da abrangência interpretativa da leitura do inciso apresentado, indica-se que os criadores de coreografias busquem, se assim desejarem, fixar as mesmas de forma física, criando uma espécie de “partitura coreográfica” que, em um momento futuro e em eventual discussão judicial e/ou extrajudicial, poderá facilitar a comprovação da autoria da obra.
Como proteger a coreografia?
Apesar de os direitos autorais existirem independentemente do registro, é fortemente indicado que o criador da coreografia busque expressá-la por meio físico, como explicado acima e que, ainda, efetue o Registro de Obra perante Escritórios de Direitos Autorais (EDA) como o da Biblioteca Nacional, de preferência com o auxílio de um profissional especializado.
Ademais, no intuito de se compreender a possibilidade do recebimento de contrapartida financeira em virtude da celebração de contratos de cessão ou licença de direitos autorais, por exemplo, faz-se necessária a análise do cenário em que será realizado a cessão ou a licença dos direitos, identificando qual é a obra protegida; qual será o objetivo do contrato; e qual será a forma de transação desses direitos, de acordo com a legislação, a vontade das partes e com o apoio de profissionais qualificados.
Por Gabriel Couto Teixeira