Há 10 meses atrás falamos no nosso blog a respeito de algumas mudanças de interpretação trazidas pela Instrução Normativa 38 do DREI - Departamento de Registro Empresarial e Integração – sendo uma delas a permissão de se constituir uma Sociedade Limitada com quotas em tesouraria. Você pode ler esse artigo aqui. Mas afinal, o que significa isso e quais as implicações para os empresários? É a respeito dessa questão e de alguns cenários que vamos falar nesse artigo.
Panorama Inicial de uma Sociedade Limitada
Basicamente, ao se iniciar uma Sociedade empresária limitada (Ltda.) é necessário apresentar um Contrato Social, documento que define padrões mínimos exigidos pelo Código Civil brasileiro e que expõe pontos básicos de como a Sociedade empresária será gerida.
Ainda, nesse documento é apresentado o Quadro Social, no qual são elencados todos os sócios, o número de quotas e o valor que cada um detém do capital social total existente no ato de constituição.
*A respeito de capital social falamos recentemente neste artigo aqui.
É nesse ponto que surge a questão das quotas em tesouraria. Isso porque, até o ano de 2016, o entendimento era de que ao se constituir uma sociedade limitada, não era permitido que se destinasse parte das quotas para manutenção em tesouraria, ou seja, todas as quotas da sociedade deveriam estar em posse de algum dos sócios.
Nesse sentido, o que se interpretava anteriormente era de que a Sociedade Limitada, pessoa jurídica definida pela legislação brasileira, não tinha direito de possuir quotas para si no ato de constituição protocolado na Junta Comercial. Contudo, em um segundo momento, após o registro na Junta, caso um dos sócios quisesse se retirar da Sociedade, a pessoa jurídica poderia passar a ter tais quotas em seu nome, dando-se a essa situação o nome de quotas em tesouraria.
O contrassenso era evidente, razão pela qual o DREI, ciente das inovações constantes do ambiente empresarial, posicionou-se permitindo que as quotas ficassem em tesouraria já no ato de registro inicial se os Sócios assim entendessem.
Quais os impactos das quotas em tesouraria para sua Startup?
Como disposto acima, atualmente seria possível constituir uma Sociedade Limitada com Capital Social dividido em quotas para dois sócios e também em tesouraria. Isso facilitaria, por exemplo, a entrada de novos sócios sem a necessária diluição dos demais.
Talvez o empreendedor ainda não tenha se deparado com contratos de investimento que prevejam esse conceito de forma clara, mas quando se observar que o investidor exige a elaboração de um planejamento de opções de compra, também disposto como equity plan ou stock pool, estaremos prevendo uma situação análoga às quotas em tesouraria.
O principal objetivo desse tipo de artifício é garantir aos envolvidos no quadro social, sejam eles sócios ou investidores, o direito de não serem diluídos caso um terceiro seja convidado a participar da Sociedade em um segundo momento. Para facilitar, vamos imaginar um cenário hipotético, mas bastante comum:
Startup A:
Quadro Social Inicial | |
Sócio 1 | 50% |
Sócio 2 | 50% |
Total | 100% |
- Negocia-se investimento com Investidor que receberá 10% ao fim do investimento e que solicita também um plano de stock options em 10%.
Quadro Social - Pré Conversão de Investimento | |
Sócio 1 | 45% |
Sócio 2 | 45% |
Tesouraria (Stock Pool) | 10% |
Total | 100% |
- Vencido o contrato de investimento, o Investidor opta pela conversão do valor e adentra o quadro social.
Quadro Social - Pós Conversão de Investimento | |
Sócio 1 | 40% |
Sócio 2 | 40% |
Investidor | 10% |
Tesouraria (Stock Pool) | 10% |
Total | 100% |
- Por fim, com o avanço dos negócios, os sócios e investidor concordam em trazer dois executivos importantes, cedendo a cada um deles 4% de quotas da Sociedade, dentro do plano de stock options inicial.
Quadro Social - Entradas de Novos Executivos | |
Sócio 1 | 40% |
Sócio 2 | 40% |
Investidor | 10% |
Tesouraria (Stock Pool) | 2% |
Executivo 1 | 4% |
Executivo 2 | 4% |
Total | 100% |
A partir da hipótese desenhada acima, observe como o cenário é alterado em percentuais para cada uma das partes e de forma relevante. No momento de conversão do investidor, ter stock options “prejudica” os Sócios fundadores, mas com a entrada de executivos os “beneficia”.
Portanto, não existe uma fórmula mágica para definir se quotas em tesouraria são boas ou ruins, mas é indispensável que o empreendedor consiga compreender as implicações de se escolher por tal alternativa, seja no início da operação ou não.
Influência do Quórum de Votação na Sociedade
Último ponto a ser mencionado neste artigo é a questão do quórum para se deliberar sobre assuntos da Sociedade Limitada.
Tal questão é muito importante quando se pensar em quotas em tesouraria, vez que estas não possuem capacidade para votar sobre nenhum assunto. Dessa forma, quando se interpreta que, conforme quadro inicial aqui exposto, 10% das quotas estão em tesouraria, os 90% disponíveis aos dois Sócios fundadores representarão 100% do poder de decisão da Startup.
Portanto, não se deve interpretar que as quotas em tesouraria diminuem o número de quotas necessárias para alguma deliberação diretamente, mas que obriga a Sociedade a ajustar de forma proporcional o número de quotas efetivamente capazes de votar nos atos societários que forem necessários.
Conclusão
Acreditamos que o assunto tenha sido exposto da melhor forma, ficando demonstrada a relevância das quotas em tesouraria para sociedades empresárias, especialmente as Limitadas, vez que estas passaram por inovação recente a respeito do tema.
Contudo, caso tenha restado qualquer dúvida sobre o tema ou seu empreendimento esteja programando utilizar desse mecanismo como alternativa para proteção do capital social dos sócios ou meio para atrair novos e importantes colaboradores, sugerimos sempre que procure um profissional capacitado e de sua confiança para auxiliá-lo na operação da forma mais segura, a fim de evitar equívocos de interpretação ou piores surpresas.
Por Luiz Eduardo Duarte