Em todos os artigos buscamos trazer questões relacionadas a prática do mercado e dos negócios, a fim de auxiliar empreendedores em suas jornadas e evitar problemas judiciais desnecessários que podem ser evitados com uma boa orientação.
Pensando nisso e cientes do momento econômico que muitos empresários vêm passando, falaremos aqui da denominada “unicidade contratual”, seus riscos e prejuízos e de alguns princípios trabalhistas que definem essa questão entre empregadores e seus empregados.
Situação bastante comum em tempos de contenção de gastos é diminuir benefícios concedidos aos empregados na época em que os negócios estavam mais fortalecidos, por exemplo, empresas que definiram por estabelecer um pagamento de uma bonificação trimestral extra aos empregados, a fim de motivá-los. Ocorre que com a piora das vendas o empregador define por cortar tal benefício, mas sabe que o direito àquela vantagem pode ser considerada direito adquirido e prefere então demitir seu funcionário antigo e recontratá-lo com um novo contrato de trabalho que não preveja tal bonificação.
Nesta situação, ao diminuir direitos que o empregado tinha no contrato anterior, há clara ofensa a talvez o maior princípio da esfera trabalhista brasileira, o princípio da primazia da realidade (falamos sobre isso nesse artigo aqui). A legislação trabalhista anseia pela verdade real e não aquela verdade unicamente formal, razão pela qual rescindir o contrato de trabalho do empregado e recontratá-lo iria resultar em absoluto insucesso, caso houvesse uma demanda judicial do empregado no futuro requerendo os direitos que lhe foram subtraídos.
Ainda, existem outras formas de fraude das relações de trabalho que se enquadrariam como unicidade contratual, podendo citar como exemplo as fraudes ao FGTS e ao seguro-desemprego, que são feitas mediante a rescisão do contrato para que o empregado possa receber os valores provenientes da rescisão e logo em seguida ser recontratado.
Expostos alguns dos motivos e situações em que a unicidade contratual ocorre, cabe conceituar de forma objetiva para os empreendedores o que seria esse fenômeno.
Basicamente, existirá unicidade contratual sempre que o empregador rescindir injustificadamente o contrato de trabalho de um empregado e recontratá-lo em prazo menor do que 90 (noventa) dias, contando-se os dois períodos de contratação como um só para todos os direitos devidos pelo empregador ao empregado.
Esclarecemos que vão existir formas diversas, como no caso do trabalho temporário que a unicidade poderá existir na contratação em prazo menor do que 06 (seis) meses e outras formas peculiares, mas o lapso temporal de 90 (noventa) dias é o de maior ocorrência e que exige atenção dos empregadores.
Nestes casos, se o empregado é demitido e recontratado em período inferior a 90 (noventa) dias, a legislação trabalhista interpreta que a há unicidade contratual, ou seja, que os períodos antes e depois da nova contratação devem ser somados e contabilizados como um só vínculo, preservando-se os mesmos direitos anteriores, inclusive na contagem de questões como férias, 13º e demais direitos do empregado, por exemplo.
Os prejuízos desse tipo de interpretação ao empregador podem ser enormes. Trazendo para o campo prático, temos alguns casos em que o empresário contrata um prestador de serviços, mas com receio dele vir a requerer na justiça o reconhecimento do vínculo, porque a prestação de serviço não respeita preceitos mínimos (já falamos sobre essa situação em outro artigo, clique aqui para entender mais), decide por rescindir o contrato e recontratá-lo novamente no mês que vem, por exemplo. Nesta situação, se o vínculo viesse a ser reconhecido, provavelmente a unicidade contratual também seria, pois o lapso entre as duas contratações foi inferior ao que a jurisprudência determina.
Ainda, nos casos de fraude ao FGTS e ao seguro-desemprego, se o empregador compactua com esse tipo de conduta já está assumindo um risco enorme de ser multado pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Ainda, por se tratar de questão de conhecimento de todos que atuam na esfera trabalhista, tendo inclusive sido elaborado uma Portaria, a nº 384/92, é enorme a possibilidade do empregado se beneficiar dos valores recebidos e o empregador ainda se prejudicar mais ainda tendo de computar os dois períodos de trabalho como um só.
Exposta as razões, o conceito básico e alguns dos prejuízos possíveis ao empreendedor que não se preocupa com os riscos de uma readmissão de empregados feita de forma irresponsável, sugerimos aqui algumas condutas que podem afastar, ao menos em parte, o reconhecimento da unicidade contratual:
- Nos casos de rescisão de contrato por prazo indeterminado sem justa causa, não proceda a readmissão do empregado em prazo inferior a 90 (noventa) dias, previsto no artigo 453 da CLT e jurisprudência. Além disso, sempre se atenha ao pagamento de todos os valores devidos das verbas rescisórias, inclusive FGTS e multa de 40%, tendo sempre consigo o comprovante de pagamento dessas, preferencialmente pagas por transferência bancária direta a conta do empregado.
- Nos casos de rescisão de contrato por prazo determinado sem justa causa, não proceda a readmissão do empregado em prazo inferior a 06 (seis) meses, previsto no artigo 452 da CLT. Aqui também é indispensável a atenção ao pagamento de todas as verbas e o cuidado em guardar os recibos que comprovem o efetivo pagamento.
- Por fim, jamais proceda a rescisão do contrato formal, mas com a manutenção do ex-empregado trabalhando em sua empresa. Tal atitude gera um passivo enorme e desnecessário para seu negócio e fragiliza a gestão, além de dar força ao empregado que se vê com a “faca e o queijo”, vez que tem todas as provas para uma eventual reclamação trabalhista contra o empregador.
Demonstrado esse fenômeno e também três formas de se evitar ou ao menos diminuir o risco de uma unicidade contratual, esperamos que os empreendedores compreendam os riscos que uma má gestão trabalhista pode trazer para seu negócio. Lembre-se que o direito do trabalho busca sempre a verdade real, não a verdade formal ou exposta em simples contratos que não condizem com a realidade.
Dessa forma, uma consultoria com profissionais da área que sejam de sua confiança pode ser útil para guiar os caminhos do seu negócio a uma gestão menos arriscada e com maior segurança jurídica, mesmo em uma área do direito tão criticada por supostamente sempre prejudicar o empresário.
Por Luiz Eduardo Soares Silva e Duarte