O que é Securitização e como balancear inovação e proteger o investidor?

Desde o surgimento da securitização como ferramenta financeira, ela se consolidou como uma solução estratégica para transformar ativos ilíquidos em títulos negociáveis, viabilizando o acesso a crédito e a diversificação de riscos. No entanto, com o avanço da tecnologia e o surgimento de novos produtos financeiros, como títulos sustentáveis e a tokenizados, surgem também novos desafios no cenário regulatório e a constante necessidade em realizar maior proteção ao investidor. O objetivo é analisar como o mercado está se ajustando para equilibrar inovação e segurança na atualidade.

1. Mas o que é securitização?

A securitização é um processo financeiro pelo qual ativos não-líquidos: empréstimos, recebíveis, contratos acionáveis etc, são agrupados e transformados em ativo capital que há de fazer parte do mercado com bens financeiras e gerará licitude no mercado a partir da negociação dos títulos acima criados. De forma resumida, eles permitem que investidores adquirem parte dos fluxos de caixa futuros dos títulos criados, os quais trazem benefícios relevantes, como maior liquidez, diversificação de risco e a possibilidade de financiamento em setores socialmente importantes, como o imobiliário e o agronegócio, por exemplo. Dessa forma, ao invés de determinada empresa tomar empréstimo pode ceder seus direitos creditórios para uma outra em troca de dinheiro a vista, indicando desconto, assim consegue continuar atuando. Em particular no Brasil, instrumentos como o Certificado de Recebíveis Imobiliário – CRIs e Certificado de Recebíveis do Agronegócio – CRAs assumiram destaque como iniciativas inovadoras neste segmento.

Na ação de securitização podemos ter diversos agentes, sendo que cada um desempenha papel essencial para a efetivação do processo, seja na estruturação, emissão e distribuição dos títulos lastreados em ativos, sendo eles:

  1. Originador, sendo a instituição ou entidade que possui esses ativos que serão securitizados;
  2. Securitizadora, a entidade responsável por estruturar e emitir os títulos, adquirindo os ativos emitindo os Certificados de Recebíveis (como CRIs e CRAs por exemplo);
  3. Investidores que são aqueles que irão adquirir os títulos emitidos pela securitizadora e fornecem os recursos financeiros;
  4. Agências de Rating, figurando como a agência de classificação de risco que avalia a qualidade dos títulos securitizados, atribuindo notas e auxiliam os investidores a entender melhor os riscos;
  5. O Custodiante, sendo responsável por realizar a guarda dos títulos emitidos e garantir a segurança e a integridade dessas transações;
  6. Auditor com o papel de revisar a conformidade das operações;
  7. O Administrador que irá atuar como representante dos investidores.

2. Qual a importância da securitização no mercado financeiro?

A securitização tem papel relevante no mercado financeiro com o objetivo de dinamizar o crédito e alavancar o crescimento econômico, dando margem para que instituições financeiras concedam mais crédito, realizando a redistribuição de seus riscos entre diversos investidores. Essa dinamicidade desse título vem a promover:

I) Maior acessibilidade ao crédito: O que facilita o financiamento de grandes projetos, liberando capital para novos investimentos;

II) Contribuição da diversificação de riscos: Permitindo que aos investidores possam acessar ativos variados com diferentes níveis de risco e retorno; e

III) Auxílio no desenvolvimento de novos mercados: Seguindo com o estimulo da inovação por meio da criação de produtos financeiros flexíveis às necessidades dos setores econômicos.

Sob esses aspectos destacados acima, observamos que a securitização vem impulsionando o crescimento econômico no mercado, ainda mais para países com mercados de crédito em desenvolvimento, por abertura da inclusão financeira e por maior competitividade no mercado.

3. O atual desafio e inovações: O impacto das novas tecnologias

Com a evolução do mercado de securitização, surgiram inovações significativas, como a tokenização de ativos por meio da tecnologia blockchain. Essa tecnologia permite transformar ativos tradicionalmente ilíquidos em tokens digitais, que representam frações dos ativos subjacentes. Como resultado, o mercado se torna mais acessível, permitindo que investidores de diferentes perfis participem. Além disso, os contratos inteligentes (smart contracts) auxiliam com a eliminação de intermediários, como cartórios e agentes fiduciários, o que reduz os custos operacionais. Outro ponto positivo é em relação a transparência, já que os registros na blockchain são imutáveis e facilmente auditáveis.

Além da tokenização, os títulos verdes e sociais alinhados a critérios ESG têm ganhado relevância no mercado. Esses títulos não apenas atendem à crescente demanda por investimentos sustentáveis e preocupados com o futuro, mas também promovem iniciativas que impactam positivamente áreas como energia renovável, habitação acessível e infraestrutura sustentável.

Em contrapartida a inovação com esses avanços, é fundamental avaliar também os riscos que surgem com a complexidade dos novos produtos e a dificuldade de transparência em determinadas operações, o que pode dificultar a avaliação por parte dos investidores em algumas operações em se tratando de perdas, um clássico exemplo é a crise financeira de 2008, em que os títulos lastreados em hipotecas (MBS) tinham regulamentação inadequada, o que contribuiu com a implosão do mercado financeiro global, o que levou a consequências sistêmicas à época.

O mais recente caso do colapso da FTX, sendo uma das maiores corretoras de criptomoedas do mundo, ensejou em práticas obscuras de alavancagem e má gestão de recursos dos clientes resultaram em perdas bilionárias, o que evidencia a necessidade de reguladores acompanharem de perto inovações financeiras para evitar crises futuras.

4. O papel da regulação e a proteção ao investidor

Tendo esta breve explicação, em 2024, o arcabouço regulatório desempenhou papel crucial para a mitigação de riscos. No Brasil, a Lei 14.430/2022 veio para estabelecer regras claras para emissões de títulos securitizados. A lei vem a exigir que emissores e securitizadoras forneçam informações objetivas sobre os ativos subjacentes e informações completas de fluxos de caixa esperados e os riscos associados, com o objetivo de fornecer aos investidores maior respaldo para tomada de decisões, além de realizar a segregação patrimonial, o que separa os títulos securitizados do patrimônio do emissor, assim protegendo o investidor em caso de falência ou insolvência da instituição originadora.

A implementação de requisitos de compliance e governança se faz necessário, com estrutura robusta com a inclusão de políticas de gestão de riscos e conformidade regulatória, já que a legislação reforça a ideia de uma obrigatoriedade de auditoria para a segurança das operações.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) também ganhou maior notoriedade após a regulamentação, com maior autonomia para fiscalizar, regular e coibir práticas abusivas no mercado de securitização e de fundos de investimento, o que significa maior segurança ao mercado financeiro como um todo.

A legislação brasileira se aproxima muito das práticas globais, o que torna o mercado de capitais mais atrativo para investidores, sejam eles nacionais ou estrangeiros, o que eleva os padrões adotados em outros países. Em âmbito Internacional, as regulamentações como o Dodd-Frank Act e Basel III também reforçam essa necessidade tanto de alinhamento entre inovação e segurança, quanto impondo requisitos de capital e divulgação que aumentam a confiabilidade do mercado.

Além de ter como base a transparência e segurança, a  Lei 14.430/2022 buscou facilitar os processos de registro de emissões de títulos securitizados, realizando a redução de custos e aumento da competitividade no mercado, reduzindo a burocracia e viabilizando a estruturação de operações de securitização para beneficiar empresas e investidores num todo. O mercado de securitização atualmente representa uma oportunidade única para financiar o crescimento econômico e a inovação, mas exigirá certo equilíbrio entre a regulação e criatividade, sendo um desafio seguir acompanhando as tendências tecnológicas, dando maior proteção aos investidores e garantindo estabilidade do sistema financeiro.

Desta maneira, as instituições que venham a atuar com este mercado precisam seguir investindo em sua governança e compliance para acompanhar e se adaptar a um cenário cada vez mais dinâmico e regulado.

Por Luca Godoi