Desconsideração da Personalidade Jurídica e o Risco aos Sócios

No Brasil, muitas pessoas fazem uso da famosa expressão “empreender não é para amadores” para deixar claro que as condições apresentadas pelo mercado, pelo governo e pela legislação não tendem a favorecer a prosperidade dos negócios. Tal análise ganha ainda mais força se estudado o perfil de quem administra uma pequena empresa no país, vez que, geralmente costuma ser pessoa sem capacitação técnica para tal, aquele que empreende mais por necessidade do que por vontade ou vocação.

A partir disso, e apoiado em estatísticas que afirmam que metade das empresas fecham as portas[1] nos primeiros quatro anos, nota-se que o risco do negócio deve ser levado muito a sério por empresários ou aspirantes.

Nesse sentido, tendo conhecimento de que a atividade empresária envolve risco, mas que deve ser garantida e incentivada pelo Estado, o Direito Brasileiro permite ao empresário proteger seu patrimônio pessoal, desde que constitua sociedade empresária com responsabilidade limitada dos sócios. Os tipos de sociedade mais comuns no Brasil são as Limitadas (Ltdas.) e as Anônimas (S.A) que, a partir da constituição e efetivo registro nos órgãos/instituições competentes, adquirem a denominada personalidade jurídica.

Ao registrar a sociedade empresária da maneira correta e obter personalidade jurídica, todo patrimônio dos sócios fica, em regra, protegido de eventual fracasso comercial, visto que a personalidade obriga que qualquer execução seja feita diretamente e tão somente à sociedade empresária, ou seja, ao capital e aos bens desta. Além disso, permite também que a sociedade requeira recuperação judicial e eventual falência, nas hipóteses em que o negócio não mais consiga arcar com suas obrigações junto a terceiros, mas esse não é foco do artigo.

Porém, deve-se esclarecer que a limitação nas execuções e regular proteção patrimonial dos sócios têm exceções previstas em legislação, não só no Código Civil, mas em outras tais como Código de Defesa do Consumidor, Lei de Crimes Ambientais, outras leis, além de entendimentos ligados a Justiça do Trabalho e a dívidas com a União.

Nos casos excepcionais supracitados e alguns outros aqui não elencados devido a peculiaridade, ignora-se a personalidade jurídica e avança-se aos bens dos sócios, a fim de garantir o pagamento dos valores cobrados por eventual conduta irregular. Para os estudiosos do Direito, nos casos de desconsideração da personalidade jurídica retira-se o véu que protege os sócios, para logo em seguida voltar a colocá-lo. Isso significa dizer que a personalidade jurídica permanece existindo, mas somente é “ignorada” por um momento específico, voltando a se fazer valer em seguida.

Vale a pena elencar aqui as situações mais comuns em que se analisa a desconsideração e a execução direta sobre os bens dos sócios de uma empresa:

  1. Questões Civis – Na hipótese que ficar caracterizado o desvio de finalidade, confusão patrimonial, comportamento claramente doloso ou fraudulento, além das questões previstas no CDC que abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. Não obstante, nas hipóteses que for reconhecida má administração, nem mesmo a falência protegerá os sócios de eventual execução direta.
  1. Questões Tributárias – Relevando-se as discussões doutrinárias, é importante saber que, havendo ilicitude e dívidas tributárias a serem pagas ao fisco, caso a sociedade não consiga dar quitação, os sócios e administradores serão responsabilizados.
  2. Questões Trabalhistas – Talvez tópico mais discutido atualmente, pois carece de legislação clara e específica. De qualquer forma, nas situações em que a empresa é condenada ao pagamento de valores em ação trabalhista, mas não o faz no prazo estipulado, certamente haverá a desconsideração da personalidade jurídica e consequente execução direta dos sócios. Tal entendimento ganha força na justiça do trabalho devido a natureza alimentar dos valores discutidos e a hipossuficiência do empregado perante o empregador.

Demonstradas as mais comuns ocasiões, cabe alertar para o cuidado que todos devem ter ao abrir seu negócio:

- Tenha responsabilidade sobre os contratos que a empresa assina, analise cada documento e jamais utilize de vantagens provenientes do CNPJ para beneficiar você sócio pessoa física, porque poderá ser interpretado como ação dolosa ou fraudulenta.

- Além disso, tenha atenção e busque quitar todas as obrigações fiscais da empresa e, se você não é o responsável por tais pagamentos, peça relatórios periódicos para acompanhamento.

- Não obstante, falando de eventuais execuções trabalhistas, fizemos um e-book para orientações básicas de Melhores Práticas Trabalhistas, você pode fazer o download clicando aqui.

Sendo assim, vale renovar a importância do empresário acompanhar as rotinas de seu negócio de perto, tendo consciência dos riscos inerentes e afastando-se daquilo que puder ser evitado. Contudo, se eventualmente existir execução contra a sociedade busque prontamente a ajuda de um advogado capacitado, vez que a desconsideração poderá vir a ser determinada somente ao final do processo, momento em que as ações de defesa são consideravelmente menores e menos eficientes.

[1] Pesquisa realizada pelo IBGE e divulgada pela Folha de São Paulo. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/09/1677729-metade-das-empresas-fecha-as-portas-no-brasil-apos-quatro-anos-diz-ibge.shtml

Por Luiz Eduardo Soares Silva e Duarte