Uma dúvida bastante recorrente aqui na NDM é se é preciso ter autorização da CVM para realizar oferta pública de tokens. O recém empossado presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), João Pedro Barroso, comentou recentemente que existem valores mobiliários “travestidos” de criptoativos e que nenhuma oferta pública de cripto que se enquadre como valor mobiliário deve acontecer sem autorização ou dispensa da CVM, como informa a plataforma Blocknews.
Isso mesmo, seu token pode ser enquadrado como valor mobiliário e, por isso, ser regulamentado pela CVM.
Neste artigo, vou te mostrar como identificar se uma oferta pública de tokens e criptos precisa ou não da autorização/dispensa da CVM.
1. Cuidado com rótulos. A classificação do token dependerá da sua função.
Embora não exista consenso internacional e doutrinário a respeito, sabe-se que existem diferentes tipos de tokens.
Neste artigo, vamos nos ater aos três mais frequentemente utilizados, os tokens (i) de pagamento, (ii) de utilidade, e (iii) de segurança/ativos mobiliários.
Segundo a Securities and Exchange Commission*, SEC norte americana, a depender da função desempenhada, os tokens são divididos nas três categorias descritas acima, sendo classificados como:
“(i) Criptomoedas e tokens de pagamento, quando desempenhassem funções similares às das moedas correntes, tais como o dólar o Euro ou o Ien, mas sem vinculação a governos. Seria o caso do Bitcoin, do Bitcoin cash e do Litecoin, que são tokens vocacionados a serem meios de pagamento).
(ii) Tokens de serviço, de utilidade (utility tokens), quando de título representativo de futuro acesso, do portador (adquirente inaugural ou cessionário), a um produto ou serviço de uma empresa. Os termos user tokens, appCoins ou Apptokens também podem ser utilizados para se referir a esse mesmo tipo de token.
(iii) Security ou asset tokens (tokens de ativos mobiliários). Trata-se de ativos digitais que representam, originariamente ou de forma lastreada, ativos que se subsumem ao conceito de contratos de investimentos do direito norte-americano. Isto é, são títulos representativos de direito de participação, de parceria ou remuneração, em companhias, consistente em fluxos de recebíveis, ou ainda, no direito ao recebimento de dividendos ou pagamento de juros. Sob o ponto de vista de sua função, esses tokens são análogos a ações, empréstimos ou derivativos ou, mais genericamente, a valores mobiliários”.
Então, conclui-se até aqui que, sempre que se o token for do tipo security, deverá ser submetido à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) - já que esses são tipicamente enquadrados como valores mobiliários.
Porém, não é “só isso”. Existem outros elementos e características que precisam ser observadas.
Em decisão de Processo Administrativo (CVM Nº 19957.003406/2019-91), a CVM entendeu que o que importa é a função desempenhada pelo token, não a sua classificação (aquelas que mencionamos anteriormente. Vamos ver um trecho da decisão:
“A classificação de um ativo digital como um payment token, um utility token ou um security token, dependerá não do seu rótulo, mas de sua função. Essas categorias, cabe ressaltar, não são estanques, de modo que um único criptoativo pode se enquadrar em uma ou mais modalidades, a depender das funções que desempenha e dos direitos a ele associados”.
A partir dessa decisão, fica evidente que outras classificações de tokens que não são security também podem ser enquadrados como valor mobiliário sujeito à aprovação ou dispensa da CVM. Mas como identificar isso na prática?
2. Como identificar se um token que deve ter autorização/dispensa da CVM para ser comercializado?
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) foi criada pela Lei 6.385/76, com o objetivo de fiscalizar, normatizar, disciplinar e desenvolver o mercado de valores mobiliários no Brasil.
Como visto anteriormente, o token pode ser enquadrado como valor mobiliário, mais conhecido como security token, e por isso, precisa da autorização ou dispensa da CVM.
Isso porque, conforme o artigo 2º, IX da Lei 6.385/76, outros títulos ou contrato de investimento coletivo que se encaixam nas definições de valores mobiliários, podem ser considerados como tal:
Art. 2o São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei: (...)
IX - quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros.
Ultimamente, muitas empresas vêm ofertando tokens publicamente por meio de Initial Coin Offerings (ICO), que já detalhamos aqui, para realizar a captação de recursos necessários para o desenvolvimento de um projeto.
A CVM já emitiu nota no sentido de que, a depender do contexto econômico de sua emissão e dos direitos conferidos aos investidores, os ativos virtuais emitidos no âmbito de ICOs podem representar valores mobiliários, nos termos do art. 2º, da Lei 6.385/76, caso em que estão sujeitos à regulação específica.
Inclusive, a CVM já concluiu, em Processo administrativo (CVM Nº 19957.003406/2019-91), que os tokens em questão (mesmo que utility tokens) não poderiam ter sido ofertados publicamente sem a devida autorização, pois se tratava de um Contrato de Investimento Coletivo e, portanto, valores mobiliários.
3. Howey Test
Inspirada pela Securities and Exchange Commission (SEC), para determinar se o token estaria ou não sob sua jurisdição, a CVM vem utilizando o chamado “Honey Test” para orientar suas análises.
O teste compreende submeter o token em análise à cinco requisitos para determinar se será considerado um valor mobiliário, sendo eles:
- Há investimento?
- Esse investimento é formalizado por um título ou por um contrato?
- O investimento é coletivo?
- Alguma forma de remuneração oferecida aos investidores?
- A remuneração oferecida tem origem nos esforços do empreendedor ou de terceiros?
Ao olhar para o seu modelo de negócios ou para os tokens ofertados você positivou para as questões acima? Então, ele deve ser entendido como um valor mobiliário e será necessário a obtenção de registro ou dispensa de registro à CVM.
4. Conclusão
O cenário atual ainda tem muitas lacunas e dúvidas, somado a falta de regulamentação específica.
Porém, é possível perceber que já há entendimentos consolidados nos últimos anos de que, a depender do token, suas características e funções, esse pode ser considerado como um valor mobiliário e, por isso, estar sujeito às regulamentações da CVM.
Como explicamos neste artigo, os tokens do tipo security, devem ter autorização da CVM para oferta pública. No entanto, a depender do contexto econômico de sua emissão e dos direitos conferidos aos investidores, os demais tipos de tokens podem ter que requerer aprovação/dispensa.
Por isso, caso queira começar um negócio nessa área, não deixe de procurar uma assessoria especializada antes, analisar preliminarmente o empreendimento, a fim de não correr o risco de ter seu negócio inviabilizado e seu investimento perdido, além de estar sujeito a outras penalidades.
Por Mariana Mena Barreto
* Referências.
1. Uhdre, Dayana de Carvalho Blockchain, tokens e criptomoedas : análise jurídica / Dayana de Carvalho Uhdre. São Paulo : Almedina, 2021. p. 71 - 72.